Usina São Martinho emprega RFID no agronegócio

Tecnologia desenvolvida pelo CPqD permite que a empresa sucroalcooleira colha os frutos dos processos orientados para a Internet das Coisas

Por Edson Perin

O setor sucroalcooleiro tem feito o Brasil se tornar um exemplo de produtor de energia limpa, desde os anos 1970, e também um grande desenvolvedor de tecnologias avançadas neste segmento. Agora, a identificação por radiofrequência (RFID) e o conceito de Internet das Coisas (IoT) aportam nos campos de produção de cana-de-açúcar, para ampliar ainda mais a competividade deste segmento.

No decorrer da atual safra de cana-de-açúcar, a Usina São Martinho – unidade da São Martinho S/A, um dos maiores grupos do setor sucroalcooleiro do Brasil – iniciará a implantação de uma infraestrutura tecnológica avançada, que inclui aplicações de IoT.

Usina sucroalcooleira São Martinho
Usina sucroalcooleira São Martinho

A base da infraestrutura é uma rede banda larga móvel privada, otimizada para áreas rurais e remotas, que provê conectividade ampla no campo. Essa tecnologia foi desenvolvida pelo CPqD com o apoio do BNDES e a participação da São Martinho e da Trópico, como parte do projeto AgroTICs, que foca o aumento da eficiência da produção de açúcar e etanol.

De modo geral, os processos de localização, movimentação e controle de produção agrícola tipicamente se baseiam em procedimentos manuais ou semiautomáticos, normalmente realizados com planilhas ou formulários impressos, e com análises dependentes de conhecimentos de especialistas com experiência no setor. No caso da cultura da cana-de-açúcar, este ainda é o cenário encontrado, em maior ou menor escala, em diversos produtores no país.

“As tecnologias RFID permitem um grau de automação e controle de itens com elevada acurácia, além de produzir uma quantidade de informações relevantes para a melhoria contínua dos processos produtivos”, diz Luis Gustavo Teixeira, gerente agrícola da Usina São Martinho. No caso da Usina São Martinho, o projeto Agrotics permitiu demonstrar a efetividade da tecnologia RFID no campo para a detecção de eventos de pareamento de máquinas, possibilitando a otimização da movimentação dos equipamentos, melhorando assim a produtividade na colheita.

Os leitores RFID são instalados nas máquinas agrícolas que executam a coleta da produção e, nos portais, a leitura é feita nos momentos de colheita, no transbordo, na pesagem e processamento, controlando todo o processo de gestão da produção.

O CPqD implantou no terminal de comunicação (TIV) um módulo RFID da ThingMagic que foi transferido para o setor produtivo (indústria). Utilizou-se uma gama variada de tags de mercado para avaliar a melhor tecnologia em cada ambiente e em função do objeto ao qual seria aplicada. As tags escolhidas apresentaram melhor desempenho nos testes de campo e laboratório. Pela natureza da aplicação, custo e uso em campo, as tags não são, via de regra, reutilizáveis.

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Luis Gustavo Teixeira, da São Martinho

O ambiente de operação apresenta o maior desafio, segundo Fabrício Lira Figueiredo, gerente de desenvolvimento de negócios – agronegócio inteligente, do CPqd. Toda a eletrônica deve operar em condições climáticas extremas com exposição ao sol, chuva, poeira, vibração, choque mecânico e muita massa metálica envolvida o que dificulta e restringe a seleção de leitores, tags, antenas, etc.”

“O projeto representou um grande desafio tecnológico ao implementar conectividade e controle de itens em ambiente agrícola”, explica Figueiredo. “Várias soluções foram analisadas e a decisão do projeto foi implantar as de baixo custo, interfaces padronizadas, facilidade de instalação, interfaces de gestão e controle otimizadas para o setor agrícola, o que direcionou a solução para tecnologia RFID”.

Outros benefícios diretos atingidos foram a capacidade de reproduzir dados e controlar processos, automação e análise precisa dos dados, confiabilidade das leituras, o que permite otimizar processos, custos e prazos. “No entanto, a tecnologia RFID provê apenas parte das informações na arquitetura IoT do projeto Agrotics, que permite a coleta de dados de uma ampla gama de dispositivos, os quais contribuem conjuntamente para a geração de benefícios para o negócio do produtor”, completa Figueiredo.

A tecnologia RFID, uma vez implantada na infra de conectividade e leitura, é muito rica em aplicações, de acordo com Teixeira, da São Martinho. Pode ser facilmente aplicada em controle e localização de mudas, gestão de EPIs e segurança do trabalho, coleta de parâmetros ambientais com etiquetas ativas, com baterias, que permitem maior capacidade de armazenamento de dados.

As aplicações, segundo Figueiredo, são amplas e os desafios ainda maiores se considerarmos o setor agrícola como um campo ainda “verde” (Green Field) com grandes potenciais de crescimento tecnológico. “Como perspectivas futuras, estamos trabalhando na difusão da tecnologia RFID de forma mais ampla em vários segmentos do agronegócio, de modo que possamos ter indicadores mais representativos sobre os seus benefícios nas próximas duas safras”, diz.

O sistema está preparado para integração com qualquer ERP de mercado, por meio da Plataforma Dojot, criada pelo CPqD. O banco de dados opera no local da usina, no momento, mas a versão cloud deve ser uma evolução espontânea considerando a natureza do processo. “Alguns clientes não adotam este tipo de arquitetura preferindo manter tudo dentro de casa, por razões de segurança e controle mais eficiente de acesso aos dados”, explica Figueiredo.

A RFID atendeu as expectativas, na visão da companhia. “Como primeiro desafio, tivemos uma quantidade significativa de lições aprendidas e um desenvolvimento de ponta na tecnologia”, diz Figueiredo. “Conectividade ainda é um dos grandes desafios para a difusão tecnológica no agronegócio, embora cada caso de aplicação tenha suas próprias regras e processos a serem controlados. O objetivo de otimização do processo agrícola é considerado muito importante e o expertise do setor de RFID e de soluções de controle e movimentação de itens permite a adaptação da solução em vários tipos de produção”.

O middleware IoT adotado no projeto é a plataforma Dojot, desenvolvida e mantida pelo CPqD de modo aberto, que permite desenvolvimento por parte do cliente ou outros parceiros, criando aplicações específicas e naturalmente integradas desde o início. “A plataforma suporta a implantação rápida de diversas aplicações, incluindo, mas não se restringindo a RFID, como parâmetros climáticos, solo etc., bem como coleta de dados baseada em protocolos IoT abertos e o enriquecimento do banco de dados, trazendo diversos benefícios para o agricultor”.

“Os desafios principais foram o ambiente hostil, dificuldade de conectividade e entendimento do processo produtivo”, diz Figueiredo. “Já tínhamos experiência em implantação de tecnologias RFID em outros ambientes como indústrias, laboratórios, localização de itens, inventário, mas o setor agrícola traz uma experiência única com todas as exigências do ambiente de trabalho, otimização e controle necessários”.

De acordo com Figueiredo, ainda há muito a ser feito. “Mas temos um aprendizado muito importante que leva o conhecimento tecnológico a ser adaptado, ou melhor, integrado com o ambiente agrícola de forma natural e produtiva. Não se trata somente de levar a tecnologia ao setor, mas de demonstrar ao produtor que o benefício pode ser interessante e positivo para o negócio, sem criar um desvio de função significativo que implique em criar mais dificuldades no processo”.

O executivo do CPqD avalia que o trabalho a ser feito deve considerar conhecimento e respeito pelas operações e adaptações positivas gerando um movimento de interesse com visão de benefícios. “O objetivo não pode ser somente focado na tecnologia, mas na parceria e na visão de interesse comum de melhoria do setor e criação de tecnologia nacional”, conclui Figueiredo.

A São Martinho está entre os maiores grupos sucroenergéticos do Brasil, com capacidade aproximada de moagem de 24 milhões de toneladas de cana. Possui quatro usinas em operação: São Martinho, em Pradópolis, na região de Ribeirão Preto (SP); Iracema, em Iracemápolis, na região de Limeira (SP), Santa Cruz, localizada em Américo Brasiliense (SP), e Boa Vista, em Quirinópolis, a 300 quilômetros de Goiânia (GO).

A companhia também possui uma unidade para produção de ácido ribonucleico, a Omtek, também localizada em Iracemápolis. O índice médio de mecanização da colheita é de 99,8%, chegando a 100% na Usina Boa Vista. Na safra 2017/2018, foram processadas um total de 22,2 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. Esse processamento de matéria prima resultou na produção de 1.407 mil toneladas de açúcar e 953 mil m³ de etanol.

“A implantação dessa rede 4G privada, adaptada para a faixa de 250 MHz, permite levar banda larga com ampla cobertura em toda a Usina São Martinho, em Pradópolis, viabilizando o uso de aplicações de Internet das Coisas no campo”, explica Figueiredo, do CPqD. “Afinal, a escassez de opções de conectividade disponíveis nas áreas rurais e remotas do país representa, atualmente, um dos principais gargalos para a adoção de novas tecnologias no agronegócio brasileiro”, acrescenta.

Essa infraestrutura é utilizada na transmissão de informações coletadas no campo, por meio de sensores, para bancos de dados e aplicativos onde serão processadas e utilizadas na tomada de decisões. O envio dos dados, em tempo real, é feito por terminais veiculares inteligentes, também desenvolvidos pelo CPqD em parceria com a São Martinho, com base nos requisitos operacionais das usinas de cana. Esses terminais, que estão sendo instalados em colhedoras, tratores e caminhões que fazem o transporte da cana, possuem múltiplas interfaces: Wi-Fi (para conectividade local), CAN (usada em máquinas agrícolas para transmissão de dados de telemetria), GPS e RFID, além da interface LTE.

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